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domingo, 18 de novembro de 2007

CAMUS, A. O Mito de Sísifo (adaptação)


Os deuses tinham condenado Sísifo a rolar um rochedo incessantemente até o cimo de uma montanha, de onde a pedra caía de novo por seu próprio peso. Eles tinham pensado, com as suas razões, que não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.
Sísifo era o mais sábio e mais prudente dos mortais. Os deuses reprovaram, antes de tudo, sua leviandade para com eles. Sísifo espalhou os segredos deles. Egina, filha de Asopo, foi raptada por Júpiter. O pai, abalado por esse desaparecimento, se queixou a Sísifo. Este, que tomara conhecimento do rapto, ofereceu a Asopo orientá-lo a respeito, com a condição de que fornecesse água à cidadela de Corinto. Às cóleras celestes ele preferiu a bênção da água. Foi punido por isso nos infernos.
Sísifo ainda acorrentara a Morte. Plutão não pôde tolerar o espetáculo de seu império deserto e silencioso. Despachou o deus da guerra, que libertou a Morte das mãos de seu vencedor.
Sísifo, estando prestes a morrer, imprudentemente quis por à prova o amor de sua mulher. Ele lhe ordenou jogar o seu corpo insepulto em plena praça pública. Sísifo se recobrou nos infernos. Ali, exasperado com uma obediência tão contrária ao amor humano, obteve de Plutão o consentimento para voltar à terra e castigar a mulher. Mas, quando ele de novo pôde rever a face deste mundo, provar a água e o sol, as pedras aquecidas e o mar, não quis mais retornar à escuridão infernal. Os chamamentos, as iras as advertências de nada adiantaram. Ainda por muitos anos ele viveu diante da curva do golfo, do mar arrebentando e dos sorrisos da terra. Foi necessária uma sentença dos deuses. Mercúrio veio apanhar o atrevido pelo pescoço e, arrancando-o de suas alegrias, reconduziu-o à força aos infernos, onde seu rochedo estava preparado.
O desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada. É o preço a pagar pelas paixões deste mundo.
Sísifo, foi condenado nos infernos ao esforço de um corpo estirado para levantar a pedra enorme, rolá-la e fazê-la subir uma encosta, tarefa cem vezes recomeçada. Vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de uma espádua que recebe a massa recoberta de barro, e de um pé que a escora, a repetição na base do braço, a segurança toda humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse esforço imenso, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo, então, vê a pedra desabar em alguns instantes para esse mundo inferior de onde será preciso reerguê-la até os cimos. E desce de novo para a planície.
A cada um desses momentos, em que ele deixa os cimos e se afunda pouco a pouco no covil dos deuses, ele é superior ao seu destino. É mais forte que seu rochedo. A lucidez que devia produzir o seu tormento consome, com a mesma força, sua vitória. Não existe destino que não se supere pelo desprezo.
Se a descida, assim, em certos dias se faz para a dor, ela também pode se fazer para a alegria. Sísifo indo outra vez para seu rochedo. "Acho que tudo está bem". Assim, expulsa deste mundo um deus que nele havia entrado com a insatisfação e o gosto pelas dores inúteis. Faz do destino um assunto do homem e que deve se acertado entre os homens.
Seu destino lhe pertence. Seu rochedo é sua questão. Da mesma forma o homem absurdo, quando contempla o seu tormento, faz calar todos os ídolos. Ele se tem como senhor de seus dias.
Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O rochedo continua a rolar.
Sísifo no sopé da montanha! Sempre reencontra seu fardo.
Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também acha que tudo está bem. A própria luta em direção aos cimos é suficiente para preencher um coração humano. É preciso imaginar Sísifo feliz.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

O Homem Absurdo - A. Camus


O homem absurdo é aquele que não acredita no eterno. Vive sua vida sem se preocupar com o que irá acontecer depois da morte. Suas características são a coragem e o raciocínio. A coragem ensina a ficar satisfeito com o que tem e a viver sem recursos; o raciocínio aponta seus limites.

A honestidade do homem absurdo não está na obediência às regras convencionais, mas sim no respeito às normas que ele próprio dita.

Todas as morais são baseadas na idéia de que um ato tem obrigatoriamente conseqüências. O homem absurdo aceita com serenidade essas conseqüências e está pronto a pagar por elas.
O espírito absurdo não procura regras morais, mas simplesmente imagens das vidas humanas.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Argumentos

Um argumento é uma série concatenada de afirmações com o fim de estabelecer uma proposição definida.
Existem vários tipos de argumento; iremos discutir os chamados dedutivos. Esses são geralmente vistos como os mais precisos e persuasivos, provando categoricamente suas conclusões; podem ser válidos ou inválidos.
Argumentos dedutivos possuem três estágios: premissas, inferência e conclusão. Entretanto, antes de discutir tais estágios detalhadamente, precisamos examinar os alicerces de um argumento dedutivo: proposições.

Proposições

Uma proposição é uma afirmação que pode ser verdadeira ou falsa. Ela é o significado da afirmação, não um arranjo preciso das palavras para transmitir esse significado.
Por exemplo, “Existe um número primo par maior que dois” é uma proposição (no caso, uma falsa). “Um número primo par maior que dois existe” é a mesma proposição expressa de modo diferente.
Infelizmente, é muito fácil mudar acidentalmente o significado das palavras apenas reorganizando-as. A dicção da proposição deve ser considerada como algo significante.
É possível utilizar a lingüística formal para analisar e reformular uma afirmação sem alterar o significado; entretanto, aqui não se pretende tratar de tal assunto.

Premissas

Argumentos dedutivos sempre requerem um certo número de “assunções-base”. São as chamadas premissas; é a partir delas que os argumentos são construídos; ou, dizendo de outro modo, são as razões para se aceitar o argumento. Entretanto, algo que é uma premissa no contexto de um argumento em particular, pode ser a conclusão de outro, por exemplo.
As premissas do argumento sempre devem ser explicitadas, esse é o princípio do audiatur et altera pars (expressão latina que significa “a parte contrária deve ser ouvida”). A omissão das premissas é comumente encarada como algo suspeito, e provavelmente reduzirá as chances de aceitação do argumento.
A apresentação das premissas de um argumento geralmente é precedida pelas palavras “Admitindo que...”, “Já que...”, “Obviamente se...” e “Porque...”.
É imprescindível que seu oponente concorde com suas premissas antes de proceder com a argumentação.
Usar a palavra “obviamente” pode gerar desconfiança. Ela ocasionalmente faz algumas pessoas aceitarem afirmações falsas em vez de admitir que não entendem por que algo é “óbvio”. Não hesite em questionar afirmações supostamente “óbvias”.


Inferência

Umas vez que haja concordância sobre as premissas, o argumento procede passo a passo através do processo chamado inferência.
Na inferência, parte-se de uma ou mais proposições aceitas (premissas) para chegar a outras novas. Se a inferência for válida, a nova proposição também deve ser aceita. Posteriormente essa proposição poderá ser empregada em novas inferências.
Assim, inicialmente, apenas podemos inferir algo a partir das premissas do argumento; ao longo da argumentação, entretanto, o número de afirmações que podem ser utilizadas aumenta.
O processo de inferência é comumente identificado pelas frases “conseqüentemente...” ou “isso implica que...”.

Conclusão

Finalmente se chegará a uma proposição que consiste na conclusão, ou seja, no que se está tentando provar. Ela é o resultado final do processo de inferência, e só pode ser classificada como conclusão no contexto de um argumento em particular.
A conclusão se respalda nas premissas e é inferida a partir delas. Esse é um processo sutil que merece explicação mais aprofundada.

A implicação em detalhes

Evidentemente, pode-se construir um argumento válido a partir de premissas verdadeiras, chegando a uma conclusão também verdadeira. Mas também é possível construir argumentos válidos a partir de premissas falsas, chegando a conclusões falsas.
O “pega” é que podemos partir de premissas falsas, proceder através de uma inferência válida, e chegar a uma conclusão verdadeira. Por exemplo:
– Premissa: Todos peixes vivem no oceano.
– Premissa: Lontras são peixes.
– Conclusão: Logo, lontras vivem no oceano.
Há, no entanto, uma coisa que não pode ser feita: partir de premissas verdadeiras, inferir de modo correto, e chegar a uma conclusão falsa.
O fato de um argumento ser válido não significa necessariamente que sua conclusão é verdadeira, pois pode ter partido de premissas falsas.
Um argumento válido que foi derivado de premissas verdadeiras é chamado “argumento consistente”. Esses obrigatoriamente chegam a conclusões verdadeiras.