segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Os argumentos céticos


- A diferença entre seres vivos no que diz respeito ao prazer e à dor, ao dano e à utilidade é o primeiro argumento do qual se deduz que nenhum ser recebe as mesmas impressões dos mesmos sujeitos.
Toda espécie animal percebe o mundo com base nos tipos de órgãos dos sentidos que dispõe.

- O segundo tipo de argumento contra a verdade realça a subjetividade humana; O útil individual é sempre subjetivo. Os mesmos objetos dão origem a percepções muito diferentes, daí que nada de seguro pode ser dito sobre eles.

- A diversidade das impressões é condicionada pela diversa condição das disposições individuais; Um buquê de flores causa impressões diferentes numa garota apaixonada ou em uma recém viúva.

- Nem mesmo a condição dos loucos é contrária à natureza; por que a loucura deveria dizer respeito mais a eles do que a nós?

- A grande diversidade entre as leis e os costumes dos povos sugere a inexistência de valores universais.

- Cada povo acredita nos seus deuses e há quem acredite na providência e quem não acredite. Os egipcios embalsamam os seus mortos antes de sepultá-los, os romanos os cremam, e os peônios os jogam ao pântano.

- Mesmo noções aparentemente objetivas, como o peso, demonstram-se relativas; Uma pedra erguida no ar por duas pessoas desloca-se facilmente na água, seja por que, sendo pesada, torna-se mais leve pela água, seja por que, sendo leve, se torna mais pesada pelo ar.

- As percepções são sempre determinadas por um particular ponto de vista; O sol por causa da distância aparece pequeno, as montanhas vistas de longe, aparecem envoltas no ar e lisas, de perto, aparecem asperas e cheias de fendas.
A forma dos objetos é sempre condicionada, seja pelo ponto especifico a partir do qual o observamos seja pela posição que ocupa no espaço.

- A natureza de muitas coisas varia com a quantidade; O vinho pode ser benéfico ou maléfico, depende do quanto se bebe.

- O hábito condiciona os juízos; Os terremotos não provocam espantos naqueles junto aos quais ocorrem continuamente.

- O conhecimento utiliza conceitos relativos; O que se encontra à direita não está à direita por natureza, mas é entendido como tal, tendo em vista a posição que ocupa em relação a um outro objeto, mudada a posição, não está mais à direita. Pai e irmão são termos relativos. Esses termos e conceitos relativos, considerados em si e para si, não são cognoscíveis.

Sendo assim, devemos sempre suspender nossos juízos (epoché) sobre a verdade e acreditar na impossibilidade de chegar a um juízo inopinável, universal e indiscutível.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O Ceticismo


A terceira filosofia helenistica importante, depois do estoicismo e do epicurismo, é o ceticismo. Os céticos acreditavam que não podemos conhecer a verdade. Tudo o que temos são idéias que podem ou não ser verdadeiras.

O primeiro filósofo totalmente cético foi Pirro de Élis, que ensinou que não há nada de que possamos estar seguros. Embora parta da idéia de que não podemos conhecer nada, ele se preocupa com o efeito disso sobre o modo que deveríamos agir.

O ceticismo não pretende ser apenas um meio de criticar as idéias de todos os outros filósofos, pelo contrário, pretende ajudar as pessoas a se acostumarem com o fato de que muito do que acontece está além do nosso controle. Se percebemos que na vida nada é garantido, mais facilmente nos libertaremos das expectativas em relação às coisas. Assim, não ficaremos desapontados quando elas não acontecerem como planejamos.

O ceticismo sustenta a impossibilidade de chegar a um juízo universal e indiscutível, dada a universal incerteza que envolve a natureza do mundo e do homem. Assim, nenhuma proposição pode ser afirmada sem que também seja possível encontrar provas da proposição contrária. Daí decorre que a única atitude correta a ser assumida pelo filósofo é não ter opiniões, assumindo a suspensão de qualquer discurso afirmativo (epoché).

A epoché cética é a necessária suspensão do juízo que caracteriza sua posição: nem aceitar, nem rejeitar; nem afirmar, nem negar. Ela nasce da consideração de que sempre é possível demonstrar o contrário de cada afirmação e que, portanto, uma proposição nunca pode dizer-se verdadeira em absoluto. Todo saber reduz-se a um opinável ponto de vista.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Epicuro - Pensamentos


Nenhum prazer é em si um mal, porém certas coisas capazes de engendrar prazeres trazem consigo maior número de males que de prazeres.

Tu, que não és senhor do teu amanhã, não adies o momento de gozar o prazer possível! Consumimos nossa vida a esperar e morremos empenhados nessa espera do prazer.

O prazer de fazer o bem, é maior do que recebê-lo.

O desejo é a causa de todos os males.

Só há um caminho para a felicidade. Não nos preocuparmos com coisas que ultrapassam o poder da nossa vontade.

Queres ser rico? Pois não te preocupes em aumentar os teus bens, mas sim em diminuir a tua cobiça.

É estupidez pedir aos deuses aquilo que se pode conseguir sozinho.

A liberdade é o maior fruto da auto-suficiência

Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades.

Nossa alma é composta de átomos, por isso é mortal como nosso corpo, nos é dado viver uma só vez. As multidões se consolam com a esperança de outra vida melhor.

domingo, 18 de outubro de 2009

Corpo e alma em Epicuro


Epicuro comparava a sua filosofia à medicina: queria ser o terapeuta do espírito, o médico da alma, o cirurgião das paixões. Assim como a medicina deve tratar o sofrimento do corpo, a filosofia trata o sofrimento da alma. “A filosofia é o fármaco mais indicado para as três patologias psíquicas mais freqüentes: o medo dos deuses, da morte, da dor”. Esse remédio é um bem universal, disponível a todos - a busca de um sadio e moderado prazer de viver.
O objetivo da vida feliz é o prazer. O prazer e a felicidade são certamente os critérios condutores do ser humano. O problema está em definir qual é o verdadeiro prazer e como otimizar o bem-estar pessoal, lembrando que a um prazer imediato corresponde muitas vezes uma dor futura. A solução mais sábia está em submeter a busca da felicidade ao juízo da razão.
A razão é capaz de encontrar o caminho da felicidade, pois a filosofia é a saúde da alma, ela é capaz de aquietar o espírito e mitigar seus sofrimentos crônicos – a angustia de viver – e pode extirpar o mal (os desejos e a insatisfação). A felicidade é o problema fundamental dos indivíduos. “É preciso meditar sobre as coisas que podem nos trazer a felicidade, porque, na verdade, tendo-a, temos tudo, se não temos, tudo fazemos para possuí-la”.
Para Epicuro, os deuses existem, mas não se ocupam dos homens. Se os deuses interviessem na vida humana, como pensa o vulgo, a consecução da felicidade não dependeria de nós. O medo da morte tampouco deveria nos afligir, pois a morte não é nada, porque quando nós existimos não existe a morte e quando existe a morte, não existimos mais.
A felicidade consiste no prazer, e o prazer verdadeiro consiste na tranqüilidade do espírito. “Quando dizemos que o prazer é o bem completo e perfeito, não nos referimos aos prazeres dos dissolutos ou dos crápulas, como acreditam alguns que não conhecem ou interpretam mal nossa doutrina, mas sim a não ter dor no corpo nem inquietação na alma. Posto que não fazem uma vida feliz nem os banquetes e festas contínuas, nem desfrutar de jovenzinhos e mulheres,mas sim, o cálculo judicioso que procure as causas de cada ato de escolha ou de recusa, que afaste as falsas opiniões das quais nascem as maiores inquietações do espírito". Portanto, é preciso eliminar os medos inúteis (dos deuses, da morte, da dor) moderar as necessidades de modo que o seu gozo não se transforme no seu contrário e, principalmente, ter como meta a tranqüilidade de espírito, a serenidade.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Cicero (106 a.C.- 43 a.C.) Filósofo Estóico


"Não basta conquistar a sabedoria, é preciso usá-la."

"A nossa vida é aquilo que os nossos pensamentos fizerem dela."

"Todos os homens podem cair num erro, mas só os idiotas perseveram nele."

"Pratica cada um dos teus atos como se fosse o último da tua vida."

"Prudência é saber distinguir as coisas desejáveis das que convém evitar."

"O melhor tempero da comida é a fome."

"Quanto não ganha em tranquilidade quem não se preocupa com o que o vizinho diz, faz ou pensa, mas apenas com os seus próprios atos."

"Ninguém acredita em um mentiroso, mesmo quando ele diz a verdade."

"Fica sabendo que és um deus, se é deus aquele que possui força, sentimento e memória que prevê e que domina, modera e faz mover este corpo ao qual está ligado."

"A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos."

"A minha consciência tem mais peso pra mim do que a opinião do mundo inteiro."

"Casa sem livros, corpo sem alma."

sábado, 26 de setembro de 2009

Corpo e Alma no Estoicismo


Estóico era o nome dado aos filósofos que freqüentavam a Stoa, que em grego quer dizer Pórtico. Os filósofos do Pórtico, que se situava em Atenas, cultivavam uma doutrina que concebe que o homem deve buscar a sabedoria e a felicidade.
Em linhas gerais, o estoicismo admite ideal de perfeição para o homem, de forma que todo sábio é necessariamente feliz. De acordo com os estóicos, só a alma livre de qualquer paixão e governada apenas pela razão possui sabedoria e virtude. A alma, sendo uma emanação da mente divina, é de ordem superior e só pode ser comparada com a divindade. Por isso, quando cultivada e curada das ilusões capazes de cegá-la, alcança o alto grau de inteligência que é a razão perfeita, chamada virtude.
Partindo da perfeição da natureza de onde se deduz a racionalidade do cosmo, chega-se à perfeição do homem, que é a virtude. A virtude é então o meio e o fim que o homem deve alcançar para ser sábio e feliz.
Iniciando sua reflexão pela natureza como um todo, a razão estóica conduz sua dedução do todo para as partes, até chegar a uma, particular e especial: o homem. A natureza é o todo porque é ela que gera todas as coisas, ela é divina porque Deus é imanente a ela, confunde-se com ela. O homem ocupa lugar privilegiado no cosmo, pois a natureza o distinguiu de todos os animais, conferindo-lhe traço divino. Afinal, o traço distintivo do homem é a razão, que ele possui porque sua alma é uma emanação da mente divina. A alma humana, diferentemente dos outros animais, é racional, emana da própria Razão Universal.
O ideal estóico é o de uma transmutação íntima que transfiguraria o indivíduo inteiro em pura razão.
As ilusões, as paixões que cegam a alma, são quatro: a alegria, a tristeza, o medo e o desejo. O sábio estóico não é acometido por nenhuma paixão, porque cultivou em sua alma a apatia, a ausência de toda e qualquer paixão. Assim, é somente a alma cultivada, transfigurada em pura razão, que possui sabedoria e virtude. A Razão Universal, a razão perfeita, é a virtude mesma.
Há nessa doutrina uma profunda crença na autossuficiência da razão que, em identificação com a virtude, é infalível e inquebrantável. Por meio do correto cálculo da razão, de posse da razão perfeita, o homem dobra, erradica qualquer desejo, qualquer paixão, vício, e preserva um estado de tranqüilidade, de felicidade, que nada exterior a ele pode abalar.
Na doutrina estóica, a idéia de uma alma separada do corpo é inconcebível. Ambos são da mesma natureza, indistintamente unidos porque corpóreos. Se a alma é gerada pela natureza, se seu princípio é material, ela necessariamente é material. É devido a certa estrutura física e psíquica da alma que ela é capaz de apreender a natureza como geratriz de todas as coisas, de apreender a racionalidade do cosmo, o modo de ser de cada parte da natureza, e conhecer-se a si mesma, descobrir a virtude como seu modo de ser por excelência. A alma humana somente pode apreender a ordem do cosmo porque ela possui em si mesma a racionalidade e a materialidade desse cosmo.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Corpo e Alma em Aristóteles I (Conhecimento e Intelecto)


Para Aristóteles o conhecimento nasce do assombro e da admiração, portanto é resultado do questionamento de nosso espírito sobre os dados da experiência sensível. As sensações de prazer emanam do corpo. A satisfação produzida pelas sensações visuais demonstra que o saber é tanto um prazer quanto um instinto. Pois, a visão é o mais importante dos sentidos, o que mais se assemelha ao conhecimento em si. Essa sensação, mais que qualquer outra, nos permite adquirir conhecimento e nos revela de imediato uma grande quantidade de diferenças...
Quem se encontra em um estado de incerteza e de assombro, acredita ser ignorante. E assim, os homens começaram a filosofar para livrar-se da ignorância, por um amor ao saber e não por alguma necessidade prática. Para ele, entre o pensamento mítico e o pensamento filosófico existe uma continuidade: pois, ambos buscam o fim último das coisas.
O intelecto em Aristóteles surge da relação entre a alma e o corpo. Alma e corpo não são entidades separadas. A alma é “causa e princípio do corpo vivo”. Suas manifestações como coragem, doçura, temor, piedade, audácia, alegria, amor e ódio apresentam-se através do corpo. A alma coordena as funções vitais do organismo que são: sensações, afeições e atividades, sensibilidade e entendimento.
O homem é uma unidade substancial de alma e de corpo, em que a primeira cumpre as funções de forma em relação à matéria, que é constituída pelo segundo. O que caracteriza a alma humana é a racionalidade, a inteligência, o pensamento, pelo que ela é espírito. Mas a alma humana desempenha também as funções da alma sensitiva e vegetativa, sendo superior a estas. Assim, a alma humana, sendo embora uma e única, tem várias faculdades, funções, porquanto se manifesta efetivamente com atos diversos.

Corpo e Alma em Aristóteles II (O homem e as criaturas)


Algumas criaturas animadas possuem todas as faculdades, outras algumas e outras ainda, apenas uma. As faculdades da alma são: a Faculdade Nutritiva, a Faculdade Sensitiva e a Faculdade Intelectiva.
· Alma Nutritiva: que é o princípio mais básico e elementar da vida, responsável pelas funções biológicas como nutrição, crescimento e geração. É por essa faculdade que os seres vivos perpetuam suas espécies respectivas.
· Alma Sensitiva: que além de responsável pelo movimento, é também responsável pelas sensações do corpo. Aristóteles quer dizer que cada órgão dos sentidos percebe do mesmo objeto as características que são próprias de sua função.
· Alma Intelectiva (Intelecto): Dessa faculdade intelectiva, somente o Homem é dotado, pois somente ele tem a capacidade de conhecer. Aristóteles caracteriza o Intelecto como “aquela parte da alma que permite conhecer e pensar” Para explicar esse conhecimento sensível, que depois dá lugar ao inteligível, Aristóteles apresenta a teoria da abstração que procura explicar toda a estrutura do conhecimento intelectivo. No processo de abstração, a inteligência negligencia os aspectos singulares e realiza, assim, uma abstração total, retendo tão somente a forma, que é universal, pois pertence aos indivíduos indistintos.

A alma como princípio da vida e do movimento também está presente nos animais. A diferença entre o homem e os animais é uma questão de grau. O Homem é o único ser vivo que é dotado das três faculdades da alma. Faculdades Nutritivas, Sensitivas e Intelectivas. O Homem tem a capacidade de se nutrir, reproduzir, captar os objetos através dos sentidos e também é capaz de conhecer por meio do Intelecto.
As faculdades fundamentais do espírito humano são duas: teorética e prática, cognoscitiva e operativa, contemplativa e ativa. Cada uma destas, pois, se desdobra em dois graus, sensitivo e intelectivo, se se tiver presente que o homem é um animal racional, quer dizer, não é um espírito puro, mas um espírito que anima um corpo animal.
Para Aristóteles, acima do conhecimento sensível está o conhecimento inteligível, especificamente diverso do primeiro. Ele aceita a essencial distinção platônica entre sensação e pensamento, ainda que rejeite o inatismo platônico, contrapondo-lhe a concepção do intelecto como tabula rasa, sem idéias inatas. Objeto do sentido é o particular, o contingente, o mutável, o material. Objeto do intelecto é o universal, o necessário, o imutável, o imaterial, as essências, as formas das coisas e os princípios primeiros do ser, o ser absoluto. Por conseqüência, a alma humana, conhecendo o imaterial, deve ser espiritual e, quanto a tal, deve ser imperecível.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Corpo e Alma em Platão



Como podemos conhecer se a idéia não provém ou emana do conhecimento sensível?





Para responder a essa questão, Platão elabora a teoria da reminiscência, onde afirma que a alma é imortal e muda de corpo após a morte. Nessa mudança de corpo, as almas contemplam as idéias perfeitas. O conhecimento do mundo real se dá pela lembrança do mundo ideal.

Assim, Platão elabora a teoria do inatismo. A alma recupera a idéia perfeita antes de encarnar; Adquirimos o conhecimento antes de nascer e o carregamos conosco ao nascer (...) por que o saber é isso: adquirido um conhecimento, conservá-lo e não esquecê-lo.

A ignorância é importante para a sabedoria, pois a pessoa que se considera ignorante sobre algo, não que ela seja "burra", mas sim, que tem humildade para buscar conhecimento, saber, ter curiosidade para cada vez aprender mais.

A alma é o sopro vital, presente em todos os seres. É definida como aquela que tem capacidade de mover por si mesma. Está dividida em três partes: a racional, localizada no cérebro - o ímpeto, localizado no peito e os apetites localizado no ventre.
Morrer para o filosofo é libertar-se do cárcere do corpo.

O corpo como túmulo da alma, significa que o corpo e a alma são duas existências distintas. Uma existência aparente (corpo) e uma existência real (alma). O inteligível (alma) é capaz de conhecer por meio das reminiscências, e o sensível (corpo) participa do inteligível.
Há uma separação entre corpo e alma, sendo o homem um misto, e não uma unidade desses dois aspectos. O aparente se altera, morre e o inteligível permanece, pois é uma realidade estável.


Pensar sobre o corpo exige pensar sobre a existência, sobre a aparência, sobre a vida e a morte, sobre a finitude, sobre o tempo, sobre o sensível e o invisível.
Para o filósofo, o corpo está sujeito aos males da condição humana, sobre a qual se impõe a natureza, devendo portanto, obedecer à alma e serví-la pois, o corpo é ininteligível, multiforme, dissolúvel e jamais igual a si mesmo. Já a alma é inteligível, estável e imortal, devendo pois comandar e dirigir.
Segundo Platão, o corpo é um obstáculo para a alma que busca a verdade.

O material (corpo) é modelado, é o que recebe a essência ou forma divina, se altera e se destrói. Essa alteração é como uma resistência à informação divina, o que justifica sua destruição e morte.

"Ora, a alma pensa melhor quando não tem nada disso a perturbá-la; nem a vista, nem o ouvido, nem a dor, nem prazer de espécie alguma, e concentrada em si mesma, dispensa a companhia do corpo, evitando qualquer comércio com ele, e esforça-se por apreender a verdade." (Fédon)

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adaptado de "Filosofia Ciência & Vida", n. 37

sábado, 29 de agosto de 2009

Razão e Política




É no plano político que a Razão primeiramente se exprimiu, constituiu-se e formou-se.
A experiência social pôde tornar-se entre os gregos o objeto de uma reflexão positiva por que se prestava, na cidade, a um debate público de argumentos. Assim se destacou e se definiu um pensamento propriamente político, exterior à religião, com seus conceitos, vocabulário, princípios,e suas vistas teóricas.

Para o grego, o homem não se separa do cidadão e a reflexão é o privilégio dos homens livres que exercem correlativamente sua razão e seus direitos cívicos. Os gregos acrescentam assim uma nova dimensão à história do pensamento humano. Para resolver as dificuldades teóricas, a filosofia teve de forjar para si uma linguagem, elaborar seus conceitos, edificar uma lógica, construir sua própria racionalidade.

Os filósofos se questionam sobre a natureza do Ser e do Saber e quais são suas relações. Para o pensamento grego o mundo social deve estar sujeito ao número e à medida. Por isso a Razão se desenvolveu através de técnicas que dão meios para o domínio de outrem e cujo instrumento comum é a linguagem. Este pensamento marcou o homem antigo porque caracteriza uma civilização que não deixou de considerar a vida pública como o coroamento da atividade humana.

A Razão grega é a que de maneira positiva, refletida, metódica, permite agir sobre os homens, não transformar a natureza.
Dentro de seus limites como em suas inovações, a Razão é filha da cidade.

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adaptado de "As Origens do Pensamento Grego" J. P. Vernant

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

20 anos sem Raul Seixas


Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar
Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque,
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher,
A mulher que me foi destinada,
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?


Vou te encontrar
Vestida de cetim
Pois em qualquer lugar
Esperas só por mim
E no teu beijo
Provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo
Mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar
Eu te detesto e amo Morte,
Morte, morte que talvez
Seja o segredo desta vida



Qual será a forma da minha morte
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida
Existem tantas... um acidente de carro
O coração que se recusa a bater no próximo minuto
A anestesia mal-aplicada
A vida mal-vivida
A ferida mal curada
A dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido
Ou até, quem sabe,
Um escorregão idiota num dia de sol
A cabeça no meio-fio
Oh morte, tu que és tão forte
Que matas o gato, o rato e o homem
Vista-se com a tua mais bela roupa
Quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado
E que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem
E nos meus filhos
Na palavra rude que eu disse para alguém
Que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber
Aquela noite...



terça-feira, 11 de agosto de 2009

11 de agosto - Dia do Estudante



Paga mal a um mestre aquele que continua sempre discípulo.




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F. Nietzsche

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O Idiota (F. Dostoiévisk)


- Será que realmente se pode ser infeliz? Oh, o que são a minha mágoa e a minha desgraça se eu estou em condição de ser feliz? Sabem, eu não compreendo como se pode passar ao lado de uma árvore e não ficar feliz por vê-la! Conversar com uma pessoa e não se sentir feliz por amá-la! Oh, eu apenas não sei exprimir... mas, a cada passo, quantas coisas maravilhosas existem, que até o mais desconcertado dos homens as acha belas? Olhem para uma criança, olhem para a alvorada de Deus, olhem para a relva do jeito que cresce, olhem para os olhos que os olham e os amam...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Diálogo


A.
- Estava eu doente? Agora estou são?
Quem foi o meu médico?
Como pude esquecer tudo!

B.
- Agora sim, creio que está são:
Pois sadio é quem esquece.
A.
- Ele para e escuta: o que o perturba?
Que coisa lhe zumbe aos ouvidos?
Que foi que o atingiu?
B.
- Como todos os que usam grilhões,
Em toda parte ele ouve - grilhões a tinir.

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F. Nietzsche - A Gaia Ciência

terça-feira, 28 de julho de 2009

Relações Causais em Aristóteles


Para exemplificar as relações causais, Aristóteles serve-se da estátua de uma deusa:
A causa formal é o modelo que serve para dar forma à estátua. A causa material é a matéria de que é feita a estátua, por ex. o bronze ou o mármore. Assim, uma determinada quantidade de matéria recebe a forma de uma estátua. Podemos ter a mesma forma, a estátua, e diferentes matérias, bronze, gesso, mármore, etc., assim como a mesma matéria pode se encontrar em diferentes formas: o mármore na estátua, na pedreira, numa coluna, etc.
A causa eficiente é o que faz com que a matéria adquira uma determinada forma, em nosso exemplo o escultor com suas ferramentas, que dá ao mármore a forma de estátua. A causa final caracteriza o objetivo ou propósito da estátua: o culto, a decoração, uma homenagem, etc.

Para o filosofo, o objetivo do saber é o estabelecimento de normas e critérios da boa forma de agir, isto é, da ação correta e eficaz.
“Nosso objetivo é tornar-nos homens bons, ou alcançar o grau mais elevado do bem humano. Este bem é a felicidade; e a felicidade consiste na atividade da alma de acordo com a virtude”. O homem virtuoso deve conhecer o ponto médio, a justa medida das coisas, e agir de forma equilibrada de acordo com a prudência ou moderação, que pode ser entendida como a própria caracterização do saber prático.

sábado, 18 de julho de 2009

Fiódor Dostoiévski


...Quando olho para o passado e compreendo quanto tempo perdi em vão, quanto perdi com equívocos, com erros, na ociosidade, na inabilidade para viver, como deixei de apreciá-lo, quantas vezes pequei contra meu coração e minha alma, meu coração se põe a sangrar.
A vida é uma dádiva, a vida é uma felicidade, cada minuto poderia ser uma eternidade de felicidade.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Aristóteles


Discípulo de Platão, propõe outra resposta ao problema de seu mestre. Para ele este é o único mundo que existe e, somente pela experiência é que podemos conhecer as coisas. Ele respeita a dualidade de um mundo inteligível oposto ao mundo sensível, mas diz que o mundo sensível é o único mundo que existe e que o outro (inteligível) não é um mundo à parte, e sim os instrumentos intelectuais necessários à sua inteligibilidade. As condições de inteligibilidade não são sensíveis, e neste sentido estão separadas do conteúdo imediato da experiência, mas somente desempenham a função de conferir inteligibilidade ao sensível se estiverem junto dele, sempre ligadas ao conteúdo que devem determinar. Para isso postula as categorias, elementos lógicos de determinação e articulação, que são:
a) Substância: determinação principal, fundamental que nos permite discernir nas coisas aquilo que elas essencialmente são;
b) Acidente: que se referem à substância e a integram, mas não de modo necessário. Representam os vários sentidos que se pode dizer daquilo que é; podem ser assim separadas: qualidade; quantidade; lugar; tempo; ação; paixão; relação.

Aristóteles afirma que conhecer é conhecer pelas causas e supõe a articulação entre causa e efeito segundo quatro modalidades:
1) A causa formal: essência inteligível determinante da coisa;
2) A causa material: a matéria da qual algo é feito;
3) A causa eficiente: o agente que produz a coisa;
4) A causa final: aquilo em vista de que a coisa existe, sua finalidade.

Para Aristóteles para que uma coisa exista, a matéria deve receber uma forma que a determine especificamente. É preciso que as duas se juntem para que um ente real venha a ser. Para entender como essa união acontece, o filósofo afirma um outro par de noções:
potência – a pura receptividade material; e
ato – a atualização do que estava apenas em potência.
Essa relação é essencial para compreendermos como as coisas vêm a ser, já que se trata de um processo. A cada vez que um conhecimento se dá identifico na coisa a forma que define e especifica a matéria e o ato que tornou a realidade efetiva.
Assim ele distingue a dualidade do real sem precisar dividir a realidade.

sábado, 27 de junho de 2009

Sócrates e Platão

Sócrates:
Filósofo grego que tornou-se um marco na filosofia antiga a ponto de dividir a própria história da filosofia em pré-socráticos e socráticos, tornou-se célebre por sua frase “Só sei que nada sei!”. Pode dizer assim que o fato de não saber abre a experiência para o novo, para a investigação daquilo que já imaginávamos saber com uma nova disposição de espírito para conhecer a verdade daquilo que investigamos.
Assim pode Sócrates propor a suspensão de nossos pré-conceitos e pré-juízos para compreender através da reflexão todos os objetos apresentados à nossa percepção:
Platão:
Discípulo de Sócrates, Platão considera o conhecimento uma lembrança das idéias perfeitas que a alma conheceu no Mundo das Idéias. Para ele, tudo o que podemos conhecer são cópias imperfeitas, que existem neste Mundo das Aparências, das idéias perfeitas que conhecemos naquele outro mundo. Assim, para Platão, o conhecimento é memória, lembrança. Somente através da reflexão, do pensamento, das idéias podemos conhecer as coisas. Platão postula a existência de dois mundos distintos para explicar o conhecimento:
- O mundo das idéias;

- O mundo das aparências.

Platão, com sua teoria dos dois mundos, tenta explicar que podemos conhecer apenas pelo pensamento que se lembra das formas perfeitas do mundo das idéias e que os nossos sentidos percebem apenas as aparências, as sombras imperfeitas daquele mundo onde reside a verdade. Em Platão o Bem, o Belo e o Verdadeiro se igualam no Mundo das Idéias e isso constitui o Divino. A Justiça é essa realização (Bem = Belo = Verdade) e depende da distinção entre o inteligível e o sensível para que se alcance a Verdade.

domingo, 21 de junho de 2009

Caminhos & Rumos da Educação no Brasil (desabafo de uma professora)


-1. Ensino da matemática em 1950:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por € 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda. Qual é o lucro?
-2. Ensino de matemática em 1970:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por € 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda, ou seja, € 80,00. Qual é o lucro?
-3. Ensino de matemática em 1980:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por € 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é € 80,00. Qual é o lucro?
-4. Ensino de matemática em 1990:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por € 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é € 80,00. Escolha a resposta certa, que indica o lucro: ( ) € 20,00 ( ) € 40,00 ( ) € 60,00 ( ) € 80,00 ( ) € 100,00.
-5. Ensino de matemática em 2000:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por € 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é € 80,00. O lucro é de € 20,00. Está certo?( ) SIM ( ) NÃO
-6. Ensino de matemática em 2008:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por € 100,00. O custo de produção é € 80,00. Se você souber ler coloque um X no € 20,00. ( ) € 20,00 ( ) € 40,00 ( ) € 60,00 ( ) € 80,00 ( ) € 100,00.

domingo, 14 de junho de 2009

Heráclito X Parmênides


Do ponto de vista de Heráclito, que pensa os opostos como complementares e vê no conflito e no movimento os princípios básicos do real, a concepção de Parmênides é insustentável, já para o monismo dos eleatas, a posição dos mobilistas é absurda.
Trata-se praticamente do primeiro grande conflito de paradigmas na tradição filosófica, o que dá origem a duas correntes, que, de uma forma ou de outra, sempre encontraremos no desenvolvimento dessa tradição.
A primeira valoriza a pluralidade do real, a contribuição de nossa experiência concreta para o conhecimento dessa realidade, e a oposição e o conflito entre os elementos dessa realidade que constatamos a partir dessa experiência, os quais, longe de ser algo problemático, caracterizam a própria natureza dessa realidade.
A segunda busca aquilo que é único, permanente, estável, eterno, perfeito; o que não se dá de imediato a nossos sentidos, só se revelando a nosso pensamento após uma longa experiência de reflexão.
Trata-se no entanto de um conflito insolúvel, pois não temos um critério externo às teorias, independente delas, que nos permita dizer quem tem razão. De certa forma isso se tornará um traço característico da filosofia: tudo pode ser posto em questão; a discussão filosófica está permanentemente em aberto.



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MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia.

terça-feira, 9 de junho de 2009

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Anaximenes de Mileto


Divergindo de seu mestre Anaximandro, Anaxímenes retoma uma substância determinada, o Ar, como o elemento originário de todas as coisas. Para ele a Physis (arché) é o ar infinito, infinito em grandeza, em quantidade, mas qualitativamente determinado. Toda a realidade na sua totalidade deriva, segundo ele, desse princípio único, primeiro e a multiplicidade e a mudança atestadas pelos sentidos são meras manifestações diferenciadas do ar.
Do mesmo modo que seus antecessores, Anaxímenes, partindo do princípio primeiro, estabelecido em virtude de uma intuição sensível que emerge do esforço continuado da razão debruçada sobre os fatos problemáticos da Physis (natureza), procura fundamentar e desenvolver seu projeto filosófico de forma sistemática e coerente, na medida em que consegue justificá-lo com argumentos compreensíveis, aceitáveis e fundados nos dados da experiência. Afirma que a multiplicidade de seres e as mudanças que constatamos pelos sentidos no todo da realidade são manifestações diferenciadas (aparências) do mesmo princípio que, na verdade, permanece imodificado (sempre o mesmo) no fundo invisível de tudo que existe.
Para Anaxímenes, a diferença qualitativa que existe entre os inúmeros seres que constituem a realidade multiforme advém unicamente dos processos de rarefação e condensação do Ar que significam apenas uma diferença quantitativa do princípio-primeiro-Ar. São essas diferenças que determinam as diferenças qualitativas que explicam a multiplicidade das coisas constitutivas do universo.

terça-feira, 26 de maio de 2009

A velha e a nova


"Por que deslizas tão furtivamente durante o crepúsculo, Zaratustra? E que ocultas com tanta precaução debaixo da tua capa'? É algum tesouro que te deram? É algum menino que te nasceu? Seguirás tu também agora o caminho dos ladrões, amigo do mal?"

"− Claro, meu irmão! − respondeu Zaratustra. − Levo aqui um tesouro: uma pequena verdade.

É, porém, rebelde como uma criança, e se lhe não tapasse a boca gritaria desaforadamente.

Seguia eu hoje solitário o meu caminho, à hora em que o sol se escondia, quando encontrei uma velha que falou assim à minha alma.

"Zaratustra tem falado muito até mesmo conosco, mulheres, mas nunca nos falou da mulher".

Eu respondi: "Não é preciso falar da mulher senão aos homens".

"Fala−me a mim também da mulher − disse ela. − Sou bastante velha para esquecer logo tudo quanto me digas".
Cedi ao desejo da velha, e disse−lhe assim:

"Na mulher tudo é um enigma e tudo tem uma só solução: a prenhez.
O homem é para a mulher um meio; o fim é sempre o filho. Que é, porém, a mulher para o homem?

O verdadeiro homem quer duas coisas: o perigo e o divertimento. Por isso quer a mulher, que é o brinquedo mais perigoso. O homem deve ser educado para a guerra, e a mulher para o prazer do
guerreiro. Tudo o mais é loucura. O guerreiro não gosta de frutos doces demais. Por isso a mulher lhe agrada: a mulher mais doce tem sempre o seu quê de amargo.

A mulher compreende melhor do que o homem as crianças: mas o homem é mais infantil que a mulher. Em todo o verdadeiro homem se oculta uma criança: uma criança que quer brincar. Eia; mulheres! descobri no homem a criança!

Seja a mulher um brinquedo puro e fino como o diamante, abrilhantado pelas virtudes de um mundo que ainda não existe. Cintile no vosso amor o fulgor de uma estrela! A vossa esperança que diga:

"Nasça de mim, o Super−homem!"

Haja valentia no vosso amor! Com o vosso amor deveis afrontar o que vos inspire medo. Cifre−se a vossa honra no vosso amor! Geralmente a mulher pouco entende de honra. Seja, porém, honra vossa amar sempre mais do que fordes amadas e nunca serdes a segunda.

Tema o homem a mulher, quando a mulher odeia: porque, no fundo, o homem é simplesmente mau: mas a mulher é perversa.
A que odeia mais a mulher? O ferro falava assim ao ímã: Odeio−te mais do que tudo porque atrais sem ser forte bastante para sujeitar".

A felicidade do homem é: eu quero; a felicidade da mulher é: ele quer.
"Vamos! Já nada falta no mundo!" −assim pensa a mulher quando obedece com todo o coração. E é preciso que a mulher obedeça e que encontre uma profundidade para a sua superfície.

A alma da mulher é superfície: móvel e tumultuosa película de águas superficiais. A alma do homem, porém, é profunda, a sua corrente brame em grutas subterrâneas; a mulher pressente a sua força mas não a entende".

Então a velha respondeu−lhe: "Zaratustra disse muitas coisas bonitas, mormente para as que são novas. Coisa singular! Zaratustra conhece pouco as mulheres e, contudo, tem razão no que diz delas! Será porque nada é impossível na mulher?

E agora, como recompensa, aceita uma pequena verdade. Sou suficientemente velha para te dizer. Sufoca−a, tapa−lhe a boca, porque do contrário grita alto demais.

"Venha a tua verdade, mulher!" − disse eu, e a velha falou assim:

"Vais ter com as mulheres? Olha, não te esqueça o chicote".




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F. Nietzsche, Assim Falou Zaratustra

terça-feira, 19 de maio de 2009

Anaximandro e a explicação do Universo


Anaximandro se propõe a dar uma explicação do princípio e do processo de origem do universo. Com ele ocorre pela primeira vez e de forma explicita o uso do termo Arché como princípio primeiro e realidade última de todas as coisas.

O universo resulta de modificações ocorridas nesse princípio primeiro originário. Apeíron. O universo passa a ser visto como uma estrutura dinâmica no interior da qual se digladiam os pares de opostos.

Para Anaximandro a substancia original, Apeíron, que constitui o mundo é indefinida e em nada se assemelha a qualquer espécie de matéria ou elemento vistos no mundo já estruturado. O Apeíron é espacialmente indefinido e qualitativamente indeterminado, não se identificando com qualquer coisa percebida na natureza.

Para explicar a constituição do universo, Anaximandro, afirma que o Apeíron seria dotado de movimento eterno, um vórtice, um todo em revolução, semelhante a um redemoinho de vento em turbilhão. Em conseqüência desse forte movimento de rotação originário, primitivo, desprendeu-se uma massa da qual se separaram os pares de contrários: quente e frio, seco e úmido, etc. o quente transforma-se numa esfera de fogo (sendo mais leve, mais sutil, tende a ocupar a parte exterior em relação ao centro) que continua girando acima da esfera de ar que envolve a terra (sendo a parte mais densa tende a ocupar o centro).

Este círculo de fogo (o quente), pressionado pelo vapor em expansão produzido pelo seu próprio calor, fragmenta-se em diferentes anéis, dando origem às estrelas, à lua e ao sol (os astros). As fases da lua e os eclipses são determinados pelo bloqueio parcial ou total dos orifícios na esfera de ar que permitem ou não a passagem da luz dos astros constituídos pelo fogo.

Essa separação rompe com a unidade, faz nascer a diversidade e a multiplicidade dos contrastantes entre si que, agora, destinados a restituir com a morte o seu próprio nascimento, devem voltar à unidade de origem. A primeira injustiça é provocar a ruptura da unidade, prerrogativa exclusiva do infinito, o que explica a inevitável necessidade de retorno às origens (morte, destruição, e regresso) como pagamento (pena, expiação) pelo fato de ter infringido a ordem do tempo (lei universal de justiça, lei cósmica) que governa o mundo.

sábado, 16 de maio de 2009

TAO TE KING

Uma ventania não dura toda a manhã.
Um aguaceiro não dura todo o dia.
Quem os produz? O céu e a terra.
Se os fenômenos do céu não são duráveis
como o seriam as ações humanas?



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Lao-Tse - (Tao te King XXIII)

domingo, 10 de maio de 2009

A Esperança


Pandora trouxe o vaso que continha os males e o abriu. Era o presente dos deuses aos homens, exteriormente um presente belo e sedutor, denominado "vaso da felicidade". E todos os males, seres vivos e alados, escaparam voando: desde então vagueiam e prejudicam os homens dia e noite. Um único mal ainda não saíra do recipiente; então, seguindo a vontade de Zeus, Pandora repôs a tampa, e ele permaneceu dentro. O homem tem agora para sempre o vaso da felicidade, e pensa maravilhas do tesouro que nele possui; este se acha à sua disposição: ele o abre quando quer; pois não sabe que Pandora lhes trouxe o recipiente dos males, e para ele o mal que restou é o maior dos bens - é a esperança. - Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhes deu a esperança: ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens.




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NIETZSCHE, F. "Humano, demasiado humano", 71.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

O Homem Revoltado

Que é um homem revoltado? Um homem que diz não. Mas se ele se recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim, desde o seu primeiro movimento... Qual o significado deste "não"?

Significa, "as coisas já duraram demais", "até aí sim; a partir daí, não"; "assim já é demais", e ainda, "há um limite que você, não vai ultrapassar". Em suma, este não afirma a existência de uma fronteira. Encontra-se a mesma idéia de limite no sentimento do revoltado de que o outro "exagera", que estende o seu direito além da fronteira a partir da qual um outro direito o enfrenta e o delimita. Desta forma, o movimento de revolta apóia-se ao mesmo tempo na recusa categórica de uma intromissão julgada intolerável e na certeza confusa de um direito efetivo ou, mais exatamente, na impressão do revoltado de que ele "tem o direito de..."

A revolta não ocorre sem o sentimento de que, de alguma forma e em algum lugar, se tem razão... Ele afirma, ao mesmo tempo que afirma a fronteira, tudo o que suspeita e que deseja preservar aquém da fronteira. Ele demonstra, com obstinação, que traz em si algo que "vale a pena" e que deve ser levado em conta. De certa maneira, ele contrapõe à ordem que o oprime uma espécie de direito a não ser oprimido além daquilo que pode admitir.
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CAMUS, Albert. O Homem revoltado

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Aristóteles


A sabedoria versa acerca das coisas humanas e das quais é possível deliberar: dizemos ser obra do homem sábio precisamente isso: deliberar bem. Delibera bem aquele que, seguindo o raciocínio, é habil em tomar, entre os bens atuáveis pelo homem, o melhor.

Nós somos os pais de nossas ações, mas nós também somos os filhos de nossos atos.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Capoeira

Cuidado moço
que essa fruta tem caroço

O cachorro é que é esperto
Come a carne e rói o osso
A mulher quando não presta
Mata o cara de desgosto
Cuidado moço
que essa fruta tem caroço...
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(homenagem ao descobrimento do Brasil - Capoeira a luta brasileira)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Ex-namorada II


A gota d'água não tem um pingo de consideração.



MONTEIRO, André. in: Ossos do Ócio

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Platão



Toda ação humana envolve, de uma maneira ou de outra, em grau maior ou menor, uma escolha feita pelo indivíduo. Essa escolha pode ser bastante simples: aceitar ou não um convite, praticar ou não um ato, seguir este ou aquele caminho. Toda escolha envolve alternativas, no mínimo entre fazer ou não fazer algo, e chega-se a uma opção através de um processo de decisão. Toda decisão envolve critérios segundo os quais será tomada. Os critérios nos permitem julgar ou avaliar as alternativas e chegar ao conhecimento, pelo raciocínio teórico, do fundamento que justifica nossas ações.

domingo, 29 de março de 2009

Por mais belo e decente que sejas, se não é aceito pela tua amada, não concluas, sem mais amplas informações, ser ela de uma castidade a toda prova;


Quem ontem vistes tão temerário, não vos espanteis em vê-lo poltrão no dia seguinte. A cólera, a necessidade, a companhia ou o vinho, ou o som de uma trombeta, terão feito de suas tripas coração. Não foi o raciocínio que lhe deu coragem: foram as circunstâncias. Não nos espantemos, pois, de ver que mudou ao mudarem elas. Essa variação e essa contradição, tão comuns em nós, levaram muitas pessoas a pensar que possuímos duas almas, ou duas forças que atuam cada qual num sentido, uma no sentido do bem e outra no do mal. Uma só alma e uma só força não poderiam conciliar-se com tão repentinas variações de sentimentos.




MONTAIGNE, Ensaios: Livro II, cap. I.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Montaigne

Qualquer ato nosso revela o que somos. A personalidade de César tanto se manifesta na preparação da batalha de Farsalia, e na maneira por que a conduziu, quanto nas reuniões de prazeres e galanteios que organizava. Julga-se um cavalo não apenas pelo galope, mas ainda pelo passo natural e até em seu descanço na estrebaria.(...) Todo pormenor da existencia do homem, toda a ocupação a que se entregue, o revelam e o mostram com suas qualidades e defeitos.

terça-feira, 3 de março de 2009

O conhecimento do conhecimento


O que é um cérebro capaz de produzir um espírito que o concebe?

O que é um espírito capaz de produzir um cérebro que o produz?

Que é um conhecimento que não poderia emergir não apenas sem um cérebro e um espírito, mas também sem uma linguagem e uma cultura?

O que é um conhecimento que, mesmo sendo construção e tradução, aspira refletir a natureza das coisas?


Edgar Morin - O Método (3. O conhecimento do conhecimento)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

As duas direções -


Se procurarmos observar o espelho em si, nada descobrimos afinal, senão as coisas nele.

Se queremos apreender as coisas, nada alcançamos novamente, exceto o espelho. - Eis a história universal do conhecimento.



F. Nietzsche, Aurora - 243.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Temor e Amor

O medo promoveu mais a compreensão geral dos homens que o amor, pois o medo quer descobrir quem é o outro, o que ele pode, o que ele quer: enganar-se nisso seria perigoso e desvantajoso. Inversamente, o amor tem um impulso de enxergar no outro as coisas mais belas possíveis, ou de erguê-lo o mais alto possível: enganar-se nesse ponto seria, para ele, prazeroso e vantajoso - e assim ele faz.


F. Nietzsche. "AURORA", 309.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A filosofia e as crianças


(...) Que a consciência e a virtude brilhem em suas palavras e que só a razão tenha por guia. Ensinar-lhe-ão a compreender que CONFESSAR O ERRO que descobriu em seu raciocínio, mesmo que ninguém o tenha percebido, é prova de DISCERNIMENTO E SINCERIDADE, qualidades principais a que se deve aspirar. TEIMAR E CONTESTAR OBSTINADAMENTE são DEFEITOS peculiares às almas vulgares, ao passo que voltar atrás, corrigir-se, abandonar sua opinião errada no ardor da discussão, são qualidades raras, das almas fortes e dos espíritos filosóficos. (...)

Posto que a filosofia é a ciência que nos ensina a viver e que a infância como as outras idades dela podem tirar ensinamentos, por que motivo não lha comunicaremos? (...)

Por moço que seja, que ninguém se recuse a praticar a filosofia, e que os velhos não se cansem dela.
MONTAIGNE, Michel de. "Ensaios", Livro I, cap.XXVI.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Provérbios do Inferno - Wilham Blake


No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.

Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos.

A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria.

A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência.

Quem deseja, mas não age, gera a pestilência.

O verme partido perdoa ao arado.

Mergulha no rio quem gosta de água.

O tolo não vê a mesma árvore que o sábio.

Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela.

A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo.

A abelha atarefada não tem tempo para tristezas.

As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas nenhum relógio mede as de sabedoria.

Os alimentos sadios não são apanhados com armadilhas ou redes.

Toma do número, do peso e da medida em ano de escassez.

Nenhum pássaro se eleva muito, se se eleva com as próprias asas.

Um cadáver não vinga as injúrias.

O ato mais sublime é colocar outro diante de ti.

Se o louco persistisse em sua loucura, acabaria se tornando Sábio.

A loucura é o manto da velhacaria.

O manto do orgulho é a vergonha.

As Prisões se constroem com as pedras da Lei, os Bordéis, com os tijolos da Religião.

O orgulho do pavão é a glória de Deus.

A luxúria do bode é a glória de Deus.

A fúria do leão é a sabedoria de Deus.

A nudez da mulher é a obra de Deus.

O excesso de tristeza ri; o excesso de alegria chora.

A raposa condena a armadilha, não a si própria.

Os júbilos fecundam. As tristezas geram.

Que o homem use a pele do leão; a mulher a lã da ovelha.

O pássaro, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade.

O sorridente tolo egoísta e o melancólico tolo carrancudo serão ambos julgados sábios para que sejam exemplo.

O que hoje se prova, outrora era apenas imaginado.

A ratazana, o camundongo, a raposa, o coelho olham as raízes; o leão, o tigre, o cavalo, o elefante olham os frutos.

A cisterna contém; a fonte derrama.

Um só pensamento preenche a imensidão.

Dizei sempre o que pensa, e o homem torpe te evitará.

Tudo o que se pode acreditar já é uma imagem da verdade.

A águia nunca perdeu tanto o seu tempo como quando resolveu aprender com a gralha.

A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão.

De manhã, pensa; ao meio-dia, age; no entardecer, come; de noite, dorme.

Quem permitiu que dele te aproveitasses, esse te conhece.

Assim como o arado vai atrás de palavras, assim Deus recompensa orações.

Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.

Da água estagnada espera veneno.

Nunca se sabe o que é suficiente até que se saiba o que é mais que suficiente.

Ouve a reprovação do tolo! É um elogio soberano!

Os olhos, de fogo; as narinas, de ar; a boca, de água; a barba, de terra.

O fraco na coragem é forte na esperteza.

A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão, ao cavalo, como apanhar sua presa.
Ao receber, o solo grato produz abundante colheita.

Se os outros não fossem tolos, nós teríamos que ser.

A essência do doce prazer jamais pode ser maculada.

Ao veres uma Águia, vês uma parcela da Genialidade. Levanta a cabeça!

Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para deitar seus ovos, assim o sacerdote lança sua maldição sobre as alegrias mais belas.

Criar uma florzinha é o labor de séculos.

A maldição aperta. A benção afrouxa.

O melhor vinho é o mais velho; a melhor água, a mais nova.

Orações não aram! Louvores não colhem! Júbilos não riem! Tristezas não choram!

A cabeça, o Sublime; o coração, o Sentimento; os genitais, a Beleza; as mãos e os pés, a Proporção.

Como o ar para o pássaro ou o mar para o peixe, assim é o desprezo para o desprezível.

A gralha gostaria que tudo fosse preto; a coruja, que tudo fosse branco.

A Exuberância é a Beleza.

Se o leão fosse aconselhado pela raposa, seria ardiloso.

O Progresso constrói estradas retas; mas as estradas tortuosas, sem o Progresso, são estradas da Genialidade.

Melhor matar uma criança no berço do que acalentar desejos insatisfeitos.

Onde o homem não está a natureza é estéril.

A verdade nunca pode ser dita de modo a ser compreendida sem ser acreditada.

É suficiente! Ou Basta.