Talvez nunca tenha existido um espírito mais sensato, mais metódico, um lógico mais exato que o senhor Locke. Antes dele, grandes filósofos haviam decidido positivamente o que é a alma do homem, mas como nada sabiam sobre ela, era muito justo que todos eles tivessem opiniões diferentes. (...) Locke desenvolveu a razão humana para o homem, como um excelente anatomista explica as molas do corpo humano. Apóia-se em tudo na tocha da física; algumas vezes ousa falar afirmativamente, mas também ousa duvidar; em vez de definir de repente aquilo que não conhecemos, examina por graus aquilo que queremos conhecer. Toma uma criança no momento de seu nascimento, segue passo a passo os progressos de seu entendimento, vê o que tem em comum com os animais e o que possui acima deles, consulta particularmente seu próprio testemunho, a consciência de seu pensamento.
(...) Nosso Descartes, nascido para descobrir os erros da Antiguidade, mas para substituí-los pelos seus próprios e impelido por esse espírito sistemático que cega os maiores homens, imaginou ter demonstrado que a alma era a mesma coisa que o pensamento, como a matéria, segundo ele, é a mesma coisa que a extensão. Assegurou que se pensa sempre e que a alma vem ao corpo já provida de todas as noções metafísicas, conhecendo Deus, o espaço, o infinito, tendo todas as idéias abstratas, repleta enfim de belos conhecimentos que infelizmente esquece ao sair do ventre de sua mãe. (...) Locke diz: “deixo discutir aqueles que sabem mais do que eu se nossa alma existe antes ou depois da organização de nosso corpo; mas confesso que, na partilha, coube-me uma dessas almas grosseiras que não pensam sempre e tenho até mesmo a infelicidade de não conceber que seja mais necessário à alma pensar sempre do que ao corpo estar sempre em movimento.”
Locke, após ter arruinado as idéias inatas, após ter renunciado à vaidade de crer que se pensa sempre, estabelece que todas as nossas idéias nos vêm pelos sentidos, examina nossas idéias simples e as compostas, segue o espírito do homem em todas as suas operações,mostra como as línguas faladas são imperfeitas e como abusamos dos termos a todo momento.
Finalmente passa a considerar a extensão, ou melhor, o nada dos conhecimentos humanos. É nesse capítulo que ousa proferir modestamente as seguintes palavras: “Talvez nunca sejamos capazes de conhecer se um ser puramente material pensa ou não”(...) “Confessem pelo menos que vocês são tão ignorantes como eu, que sua imaginação nem a minha podem conceber como um corpo tem idéias; e vocês não compreendem melhor como uma substância, seja qual for, tem idéias? Não concebem a matéria nem o espírito; como ousam assegurar alguma coisa?”
(...) Nosso Descartes, nascido para descobrir os erros da Antiguidade, mas para substituí-los pelos seus próprios e impelido por esse espírito sistemático que cega os maiores homens, imaginou ter demonstrado que a alma era a mesma coisa que o pensamento, como a matéria, segundo ele, é a mesma coisa que a extensão. Assegurou que se pensa sempre e que a alma vem ao corpo já provida de todas as noções metafísicas, conhecendo Deus, o espaço, o infinito, tendo todas as idéias abstratas, repleta enfim de belos conhecimentos que infelizmente esquece ao sair do ventre de sua mãe. (...) Locke diz: “deixo discutir aqueles que sabem mais do que eu se nossa alma existe antes ou depois da organização de nosso corpo; mas confesso que, na partilha, coube-me uma dessas almas grosseiras que não pensam sempre e tenho até mesmo a infelicidade de não conceber que seja mais necessário à alma pensar sempre do que ao corpo estar sempre em movimento.”
Locke, após ter arruinado as idéias inatas, após ter renunciado à vaidade de crer que se pensa sempre, estabelece que todas as nossas idéias nos vêm pelos sentidos, examina nossas idéias simples e as compostas, segue o espírito do homem em todas as suas operações,mostra como as línguas faladas são imperfeitas e como abusamos dos termos a todo momento.
Finalmente passa a considerar a extensão, ou melhor, o nada dos conhecimentos humanos. É nesse capítulo que ousa proferir modestamente as seguintes palavras: “Talvez nunca sejamos capazes de conhecer se um ser puramente material pensa ou não”(...) “Confessem pelo menos que vocês são tão ignorantes como eu, que sua imaginação nem a minha podem conceber como um corpo tem idéias; e vocês não compreendem melhor como uma substância, seja qual for, tem idéias? Não concebem a matéria nem o espírito; como ousam assegurar alguma coisa?”
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VOLTAIRE, Cartas Filosóficas, 13a carta - sobre o Sr. Locke.