terça-feira, 26 de maio de 2009

A velha e a nova


"Por que deslizas tão furtivamente durante o crepúsculo, Zaratustra? E que ocultas com tanta precaução debaixo da tua capa'? É algum tesouro que te deram? É algum menino que te nasceu? Seguirás tu também agora o caminho dos ladrões, amigo do mal?"

"− Claro, meu irmão! − respondeu Zaratustra. − Levo aqui um tesouro: uma pequena verdade.

É, porém, rebelde como uma criança, e se lhe não tapasse a boca gritaria desaforadamente.

Seguia eu hoje solitário o meu caminho, à hora em que o sol se escondia, quando encontrei uma velha que falou assim à minha alma.

"Zaratustra tem falado muito até mesmo conosco, mulheres, mas nunca nos falou da mulher".

Eu respondi: "Não é preciso falar da mulher senão aos homens".

"Fala−me a mim também da mulher − disse ela. − Sou bastante velha para esquecer logo tudo quanto me digas".
Cedi ao desejo da velha, e disse−lhe assim:

"Na mulher tudo é um enigma e tudo tem uma só solução: a prenhez.
O homem é para a mulher um meio; o fim é sempre o filho. Que é, porém, a mulher para o homem?

O verdadeiro homem quer duas coisas: o perigo e o divertimento. Por isso quer a mulher, que é o brinquedo mais perigoso. O homem deve ser educado para a guerra, e a mulher para o prazer do
guerreiro. Tudo o mais é loucura. O guerreiro não gosta de frutos doces demais. Por isso a mulher lhe agrada: a mulher mais doce tem sempre o seu quê de amargo.

A mulher compreende melhor do que o homem as crianças: mas o homem é mais infantil que a mulher. Em todo o verdadeiro homem se oculta uma criança: uma criança que quer brincar. Eia; mulheres! descobri no homem a criança!

Seja a mulher um brinquedo puro e fino como o diamante, abrilhantado pelas virtudes de um mundo que ainda não existe. Cintile no vosso amor o fulgor de uma estrela! A vossa esperança que diga:

"Nasça de mim, o Super−homem!"

Haja valentia no vosso amor! Com o vosso amor deveis afrontar o que vos inspire medo. Cifre−se a vossa honra no vosso amor! Geralmente a mulher pouco entende de honra. Seja, porém, honra vossa amar sempre mais do que fordes amadas e nunca serdes a segunda.

Tema o homem a mulher, quando a mulher odeia: porque, no fundo, o homem é simplesmente mau: mas a mulher é perversa.
A que odeia mais a mulher? O ferro falava assim ao ímã: Odeio−te mais do que tudo porque atrais sem ser forte bastante para sujeitar".

A felicidade do homem é: eu quero; a felicidade da mulher é: ele quer.
"Vamos! Já nada falta no mundo!" −assim pensa a mulher quando obedece com todo o coração. E é preciso que a mulher obedeça e que encontre uma profundidade para a sua superfície.

A alma da mulher é superfície: móvel e tumultuosa película de águas superficiais. A alma do homem, porém, é profunda, a sua corrente brame em grutas subterrâneas; a mulher pressente a sua força mas não a entende".

Então a velha respondeu−lhe: "Zaratustra disse muitas coisas bonitas, mormente para as que são novas. Coisa singular! Zaratustra conhece pouco as mulheres e, contudo, tem razão no que diz delas! Será porque nada é impossível na mulher?

E agora, como recompensa, aceita uma pequena verdade. Sou suficientemente velha para te dizer. Sufoca−a, tapa−lhe a boca, porque do contrário grita alto demais.

"Venha a tua verdade, mulher!" − disse eu, e a velha falou assim:

"Vais ter com as mulheres? Olha, não te esqueça o chicote".




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F. Nietzsche, Assim Falou Zaratustra

terça-feira, 19 de maio de 2009

Anaximandro e a explicação do Universo


Anaximandro se propõe a dar uma explicação do princípio e do processo de origem do universo. Com ele ocorre pela primeira vez e de forma explicita o uso do termo Arché como princípio primeiro e realidade última de todas as coisas.

O universo resulta de modificações ocorridas nesse princípio primeiro originário. Apeíron. O universo passa a ser visto como uma estrutura dinâmica no interior da qual se digladiam os pares de opostos.

Para Anaximandro a substancia original, Apeíron, que constitui o mundo é indefinida e em nada se assemelha a qualquer espécie de matéria ou elemento vistos no mundo já estruturado. O Apeíron é espacialmente indefinido e qualitativamente indeterminado, não se identificando com qualquer coisa percebida na natureza.

Para explicar a constituição do universo, Anaximandro, afirma que o Apeíron seria dotado de movimento eterno, um vórtice, um todo em revolução, semelhante a um redemoinho de vento em turbilhão. Em conseqüência desse forte movimento de rotação originário, primitivo, desprendeu-se uma massa da qual se separaram os pares de contrários: quente e frio, seco e úmido, etc. o quente transforma-se numa esfera de fogo (sendo mais leve, mais sutil, tende a ocupar a parte exterior em relação ao centro) que continua girando acima da esfera de ar que envolve a terra (sendo a parte mais densa tende a ocupar o centro).

Este círculo de fogo (o quente), pressionado pelo vapor em expansão produzido pelo seu próprio calor, fragmenta-se em diferentes anéis, dando origem às estrelas, à lua e ao sol (os astros). As fases da lua e os eclipses são determinados pelo bloqueio parcial ou total dos orifícios na esfera de ar que permitem ou não a passagem da luz dos astros constituídos pelo fogo.

Essa separação rompe com a unidade, faz nascer a diversidade e a multiplicidade dos contrastantes entre si que, agora, destinados a restituir com a morte o seu próprio nascimento, devem voltar à unidade de origem. A primeira injustiça é provocar a ruptura da unidade, prerrogativa exclusiva do infinito, o que explica a inevitável necessidade de retorno às origens (morte, destruição, e regresso) como pagamento (pena, expiação) pelo fato de ter infringido a ordem do tempo (lei universal de justiça, lei cósmica) que governa o mundo.

sábado, 16 de maio de 2009

TAO TE KING

Uma ventania não dura toda a manhã.
Um aguaceiro não dura todo o dia.
Quem os produz? O céu e a terra.
Se os fenômenos do céu não são duráveis
como o seriam as ações humanas?



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Lao-Tse - (Tao te King XXIII)

domingo, 10 de maio de 2009

A Esperança


Pandora trouxe o vaso que continha os males e o abriu. Era o presente dos deuses aos homens, exteriormente um presente belo e sedutor, denominado "vaso da felicidade". E todos os males, seres vivos e alados, escaparam voando: desde então vagueiam e prejudicam os homens dia e noite. Um único mal ainda não saíra do recipiente; então, seguindo a vontade de Zeus, Pandora repôs a tampa, e ele permaneceu dentro. O homem tem agora para sempre o vaso da felicidade, e pensa maravilhas do tesouro que nele possui; este se acha à sua disposição: ele o abre quando quer; pois não sabe que Pandora lhes trouxe o recipiente dos males, e para ele o mal que restou é o maior dos bens - é a esperança. - Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhes deu a esperança: ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens.




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NIETZSCHE, F. "Humano, demasiado humano", 71.